Por muito tempo, a mulher e a sua sexualidade foram, ao longo da história, alvo preferencial de alterações de conceito. Em todas as épocas históricas a sexualidade feminina foi considerada deficitária ou excessiva, havia uma variância entre "mulher frígida" e "mulher ninfomaníaca", sendo-lhe deste modo atribuído e perpetuado um carácter disfuncional.
Depois da Segunda Guerra Mundial, os trabalhos de Kinsey, Masters e Johnson e Kaplan contribuíram na designação da sexualidade normal e patológica, criando assim classificações sobre as Disfunções Sexuais masculinas e femininas.
A Sexologia sofreu várias evoluções no séc. XX e em 2001 foi revista as classificações das disfunções sexuais femininas (DSF), ficando definida da seguinte forma:
• Desordem do desejo sexual: o desejo sexual hipoactivo é caracterizado por uma persistente e recorrente deficiência/ausência de fantasias e pensamentos sexuais e/ou receptividade à actividade sexual, causando angústia pessoal. A desordem da aversão sexual é descrita como uma fobia e aversão ao contacto sexual permanente e persistente do parceiro causando angústia pessoal;
• Desordem da excitação sexual: é assinalada como uma dificuldade persistente e recorrente de atingir ou manter uma adequada excitação sexual, causando angústia pessoal, podendo também ser expressa por uma falta de excitação subjectiva, genital (lubrificação) e/ou outras respostas somáticas;
• Desordem orgásmica: é uma dificuldade persistente e recorrente de atingir o orgasmo, podendo ser expressa por uma demora ou ausência da estimulação e da excitação e causando angústia pessoal;
• Desordem da dor: dispareunia, dor persistente e recorrente associada ao coito; vaginismo, espasmo involuntário da musculatura do terço exterior da vagina persistente e recorrente que interfere na penetração, causando angústia pessoal; dor sexual não coital, dor genital persistente e recorrente induzida por estimulação sexual não coital.
A DSF poderá estar associada a experiências de relações sexuais negativas, baixa auto-estima, saúde física e emocional, história de abuso sexual, condições psiquiátricas (depressão), transtorno alimentar e de personalidade, sintomas pré-menstruais, doença neurológica e a processos infecciosos.
Assim sendo, o relacionamento pessoal, inter-relacional, ajustamento psicossocial, auto-estima e auto-imagem, podem influenciar o comportamento sexual e, em combinação, poderá levar ao aparecimento da disfunção sexual.
Na mulher, as causas da disfunção sexual podem igualmente estar associadas às mudanças relacionadas com as fases da vida reprodutiva (puberdade, período pré-menstrual, gravidez, período pós-parto e menopausa). Estas fases apresentam problemas únicos e obstáculos potenciais na sexualidade e também são períodos em que a mulher está mais susceptível a alterações hormonais e de humor.
Em diferentes fases do ciclo de vida da mulher estão presentes preocupações associadas ao decréscimo da actividade sexual (desejo e satisfação). A puberdade pode ocasionar preocupações relacionadas com a orientação sexual e com a probabilidade de uma gravidez indesejada. Na adultícia as preocupações são relacionadas com o período pós-parto, enquanto que na menopausa a mulher sofre mudanças físicas que podem provocar alterações de humor e/ou percepção inadequada sobre o bem-estar, ocasionando um impacto negativo na sexualidade.
Muitas mulheres desenvolvem uma disfunção sexual chamada vaginismo, já citada acima. O vaginismo, para além das causas já referidas, tem uma característica muito particular: a contracção involuntária da musculatura da vagina quando a mulher prevê dor devido ao medo da mesma, sendo que a própria antecipação da dor pode causar dor. Este medo pode gerar fantasias disfuncionais em torno da dor, sendo que a fantasia mais frequente é a da violação, pois as mulheres tendem a associar a dor à violação, tendo sido ela violada na infância ou não.
É um processo cognitivo simples: a mulher acredita que vai sentir dor, começa a sentir ansiedade e foca a atenção na zona genital e no coito. Esta atenção na zona genital vai provocar a contracção da musculatura da vagina, e ocasionalmente de todo o corpo (pernas, abdómen, braços e pescoço). Este comportamento causa ainda mais ansiedade gerando um ciclo vicioso. Esta contracção dificulta e/ou impede a penetração evitando assim a realização do coito sexual. Com a musculatura da vagina contraída, a tentativa de penetração pode causar dor e/ou sensações de desconforto.
Esta disfunção sexual está directamente relacionada com a ansiedade, quase 100% dos casos são de origem psicogénica, pois antes mesmo de começar a relação sexual estas mulheres estão preocupadas com o coito, antecipando e intensificando a ansiedade em torno da sexualidade. Esta ansiedade faz com que a mulher se desconcentre da excitação e do acto sexual, fazendo com que se concentre nas suas dificuldades: os espasmos e a suposta dor.
O vaginismo pode ser classificado como primário, acontece desde do início da vida sexual e secundário, desenvolve-se após a mulher ter experimentado relações sexuais com a presença do coito vaginal. A incidência do vaginismo nas mulheres que procuram ajuda é de 2% a 3%, mas calcula-se que entre 10% a 19% das mulheres sofram de vaginismo mas não procuram ajuda.
Geralmente as mulheres que sofrem de vaginismo têm uma boa resposta sexual a nível do desejo, lubrificação e orgasmo através do clítoris. Muitas destas mulheres até mantêm relações anais frequentes para compensar a falta da penetração vaginal. Esta penetração anal é uma compensação psicológica, pois pode existir a crença de que se a penetração existir o parceiro pode ficar satisfeito e assim evitar a ruptura do relacionamento.
Há mulheres que desenvolvem a disfunção sexual reactivamente aos conflitos conjugais. Geralmente, são mulheres que sentem a relação do parceiro como distante, agressivo, pouco participativo nas tarefas de casa e na educação dos filhos, casais que não possuem uma boa comunicação e que não fazem actividades em conjunto.
As reacções do casal são muito variadas. Alguns não dão importância ao problema, no entanto, outros desenvolvem conflitos a nível conjugal. Os parceiros de mulheres com disfunção sexual geralmente ficam perturbados com a aparente rejeição do acto sexual e podem criar crenças disfuncionais (sentimentos de rejeição, de que a parceira não quer ter relação sexual, que é o causador da disfunção sexual, que não é atraente o suficiente, que a mulher tenta boicotar o acto sexual, que não é capaz de dar prazer à parceira, entre outros) que prejudicam o convívio do casal. é necessário que o casal mantenha uma boa comunicação sobre o problema e que ambos procurem ajuda.
Muitos cônjuges de mulheres sexualmente disfuncionais acabam também por desenvolver algum tipo de disfunção sexual. Frequentemente alguns homens desenvolvem ejaculação precoce, pois transforma o acto sexual num acto rápido para não causar angústia à parceira ou sentir-se evitado por muito tempo, ou desenvolvem disfunção eréctil pois assumem uma postura mais passiva sexualmente influenciado pelas crenças disfuncionais.
É importante que a mulher, ao se deparar com o quadro semelhante ao vaginismo procure um ginecologista para verificar se existe a presença de algum factor orgânico. Se este factor for ausente pode-se então pensar no diagnóstico de vaginismo, que será dado em conjunto com um sexólogo.
Depois de ser diagnosticado a disfunção sexual, o doente deverá procurar um profissional adequado para realizar o tratamento, sendo que no caso do vaginismo, o mais apropriado é o tratamento com o profissional de sexologia. Este sabe avaliar, diagnosticar e traçar um plano terapêutico adequado para o tratamento e cura da disfunção sexual. Geralmente o tratamento para vaginismo tem uma taxa muito grande de sucesso, sendo mais elevada quando o paciente está disposto e receptivo ao tratamento e as aplicações das técnicas terapêuticas.
Éricka Morbeck
Psicóloga clínica, Sexóloga